TRAIÇÃO TEM PERDÃO? COMO LIDAR COM ESTE FATO NOS RELACIONAMENTOS AMOROSOS?


            
Provavelmente você já traiu ou foi traído, não é verdade? Este comportamento faz parte da nossa “humanidade” e permeia as relações. Quando a gente é a vítima o sentimento é acachapante, nos joga na parede e, quando a gente é o algoz, o cérebro dá logo um jeito de arrumar uma desculpa para justificar o fato: “Mas também, ele não me dava afeto suficiente!” ou “Não tenho culpa se ela não tem tempo mais para nada!”. Quando somos traídos, muitas vezes, nos surpeendemos e nos decepcionamos. Mas, em alguns casos, somos cúmplices, mesmo que inconscientemente, pois depositamos expectativas exageradas no outro ou, com medo de perder, fingimos não enxergar algumas situações que estão bem embaixo do nosso nariz.
Precisamos do outro para sobreviver. John Cacioppo, neurocientista social, afirma que ser sozinho faz tão mal para a saúde quanto fumar. Mas, que tipo de relação construímos pela vida? Muitas vezes, lidamos de forma negativa com nossos pares, principalmente no que se refere ao amor romântico. Confundimos tudo: dependência emocional com afeto genuíno, dependência financeira com paixão, e azedamos relações que poderiam servir para nosso aprimoramento pessoal. O matemático e pesquisador da Psicologia, John Gottman,  estudou por quarenta anos o que pode fazer o amor durar. Concluiu que, para um casamento  se tornar forte e longínquo é preciso que haja uma razão de cinco afirmações positivas para cada afirmação negativa. Ou seja, se você ofende seu parceiro ou parceira uma vez, precisa fazer cindo elogios sinceros para que a relação não fique prejudicada. Agora, se há três xingamentos para cada palavra amorosa, a relação está indo a passos largos para o divórcio. O problema é que nem sempre é simples tomar uma decisão destas. Muitas coisas estão envolvidas: filhos, questões financeiras, religiosas ou mesmo falta de coragem para dizer a verdade.  A traição vem a galope quando os indivíduos não conseguem assumir que uma relação acabou e, antes de terminar, se envolvem com outras pessoas.
Algumas questões devem ser levantadas aqui: Quando somos traídos, como devemos proceder?  Será que o que chamamos de traição, de certo modo já, não estava “combinado implicitamente”? O que de fato é trair?  Diante de uma traição, seria possível perdoar?
                   Atualmente, vivemos em um contexto em que se espera muito mais das relações que chamamos “amorosas”. O casamento tradicional que era regido pela dominação masculina, deu lugar a um novo modelo onde a mulher preza por direitos iguais e a negociação é constante. Alguns casais, inclusive, combinam que podem manter relações sexuais com outras pessoas, deste modo, não se sentem traídos. Está tudo acertado, aí não sai caro. Os valores que estão no cerne das relações atuais são a amizade, a admiração e o companheirismo, onde o perdão, divinamente humanizado, deve ocupar a cena, havendo ou não a manutenção do enlace amoroso.  Não podemos esperar que o outro corresponda às nossas expectativas completamente.
          Os consultórios de Psicologia estão abarrotados de reclamações sobre as relações que muitas vezes são chamadas de amorosas, mas que deveríamos batizar com outro nome. Desrespeito, falta de afeto, de admiração banham a convivência, mas mesmo assim, algumas pessoas insistem em permanecer juntas. A traição é uma constante. Percebo que as pessoas muitas vezes, não perdoam, mas continuam a conviver. Torço para que um dia se compreenda que a traição é a expressão da falta de coragem de nos relacionarmos baseados em sentimentos reais. Como diria Aristóteles, só sendo corajoso o ser humano consegue adquirir outras virtudes humanas.
          A seguir, algumas histórias que podem fazer você entender como podemos lidar com algumas traições. 

Depois da traição, RECONCILIAÇÃO SEM PERDÃO

Daniela estava cansada dos relacionamentos extra-conjugais do marido, mas entendia, porque era católica, que o casamento tinha que ser indissolúvel. Viviam um verdadeiro inferno. Carlos Alberto não nutria o menor respeito por ela, a chamava de baleia rosa e usava chacotas para humilhá-la na frente dos amigos. Ela era um pote cheio de mágoas. Definitivamente, a cola que unia os dois não era o amor.
          Desde criança foi superprotegida por seus pais. Daniela não aprendeu a ser autônoma. Quando se casou transferiu a responsabilidade pela sua subsistência para Carlos. E, mesmo percebendo que o amor não era mais suficiente para manter a relação, ela insistia. Carlos, por sua vez, não tinha coragem de abandoná-la, pois tinha prometido ao pai e a toda a família dela que o casamento seria para sempre. Caos estabelecido. O marido a traia, ela admitia, dizia que perdoava, mas continuava atrelada à dor e todas as vezes que se desentendiam ela o acusava de ser um abusador.
          Foi preciso, nas sessões com Daniela, limpar o conceito de perdão. Mostrar que perdoar não está condicionado a reconciliar. Ela precisava entender que tinha escolha e poderia se manter sem seu algoz. É verdade, pessoas com esse tipo de esquema têm a impressão que não conseguirão viver sozinhas. Inocular em Daniela emoções positivas, fazer pesquisas e testes sobre suas qualidades humanas, como talentos e forças de caráter e treiná-la a respeito da sua capacidade de resiliência foi fundamental para a recuperação do seu bem-estar subjetivo. Estamos trabalhando para aumentar a sua autonomia e independência. Ela tomou coragem, se separou e, agora, cessou o sentimento de ódio que nutria por seu marido. Está no processo rumo ao perdão.
         
Depois da traição, PERDÃO SEM RECONCILIAÇÃO
                Fernanda conheceu Gilberto em uma festa de amigos. Ele, a princípio, pareceu o homem perfeito. Como dizia, “era o seu número”. Pequenos gestos gentis eram considerados grandes demonstrações de amor. Até o fato de ele chegar pontualmente aos encontros marcados – isso para ela era importante – era visto como sinal de um excelente caráter. Ele, para ela, era o homem perfeito.
            Nos primeiros dois anos de relacionamento, o que sentiam era uma avassaladora paixão e o sexo estava no centro da cena. Tudo era muito intenso. Os defeitos de Gilberto  pareciam um charme a mais. No entanto, com o passar dos anos, a intensidade hormonal que baseava a paixão foi diminuindo e ela  começou a entender que o parceiro tinha defeitos, e muitos.
            Em uma noite, estremecidos por uma situação absolutamente corriqueira, ele a agrediu fisicamente. Decepcionada e sentindo-se traída, Fernanda chamou a polícia e o denunciou. Relação rompida, amarguras para todos os lados. Meses depois, se reencontraram, conversaram sobre o ocorrido e decidiram que o melhor, para os dois, seria manter-se separados. Ele já não a “completava” mais.  Apesar de tudo, ela o perdoou e entendeu que o problema maior daquela relação foi esperar um homem “perfeito” que ele não conseguia ser. Agora, são amigos. Ela está construindo uma relação amorosa mais realista com Maurício. Gilberto, ainda sozinho, busca entender o que o fez ficar tão agressivo. Não existem mais ressentimentos entre os dois.

Depois da traição, PERDÃO COM RECONCILIAÇÃO

                Camila traiu seu marido. Depois de vinte e cinco anos de casados, ela conheceu Jorge e se sentiu apaixonada. Coração acelerava todas as vezes que pensava nele. Parecia adolescente. Sua relação com Heitor já não era a mesma. Ela não gostava mais de fazer amor com ele, não tinha mais o mesmo desejo de antes. Movida por esse sentimento intenso, pediu a separação e foi viver com seu amante.
          Heitor, ainda apaixonado por sua esposa, caiu em profundo desespero. Não queria abrir mão daquela que considerava a mulher da sua vida. Não desistiu um só instante. Com carinho, estava sempre presente quando Camila se aborrecia com Jorge e ocupou o lugar de seu melhor amigo. Ele perdoou sua ex-mulher pois entendeu que ela não era culpada por não amá-lo mais. Um dia, estimulado pelas sessões de terapia, decidiu escrever uma carta para ela, se responsabilizando por algumas atitudes que poderiam ter enfraquecido a relação dos dois. Dizia também que a perdoava, pois compreendia suas razões. Depois de dois anos, tendo os efeitos fisiológicos da paixão evanescido, Camila compreendeu que era com Heitor que ela, de fato, queria estar. Pediu perdão e esse já estava dado. Até hoje estão vivendo uma relação positiva, sustentada muito mais por sentimentos autênticos de amor que eles construíram juntos

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