ESQUIZOFRENIA: É grave, tem tratamento e é preciso desmistificar.
João Carlos*, 23 anos, foi
trazido ao meu consultório por seus familiares. Estavam todos preocupados com
seu comportamento estranho: se isolava, não conseguia bom relacionamento com
seus pares, muitas vezes tornava-se agressivo e falava sobre coisas estranhas
que pensava e ouvia. Os sintomas
começaram devagar e intensificaram quando iniciou a vida profissional, depois
de formado em Engenharia. Sentia-se
pressionado e, em uma crise aguda, tentou atacar a própria irmã com uma faca,
pois achava que ela representava a figura do mal.
Quando criança era
considerado dentro dos padrões da normalidade, até que na adolescência começou
a perceber o mundo com cores mais intensas. Os sons e as coisas pareciam ter
dimensões diferentes. Os pensamentos não correspondiam à realidade
compartilhada pela maioria. Vez por outra, “invadiam” a sua cabeça dizendo-lhe
para cometer atos que não faziam parte de seu repertório corriqueiro: “Coma o
frango, se não o fizer, sua mãe vai morrer!”; “Aquela toalha amarela que seu
vizinho colocou no varal é para significar que você é homossexual”. Era como se
fosse um outro ser o invadindo, convivendo com ele de maneira arbitrária. Não
havia dúvidas para João. Aquela era a sua realidade. Com isto, foi se afastando
de seus colegas de turma, da rua e da família. Ficava no quarto desenhando e
fazendo alguns poemas que considerava recados divinos.
Ao chegar no meu
consultório, João estava ansioso e se negava a tomar o antipsicótico que o
psiquiatra havia recomendado. Sentia-se perseguido por todos. O meu trabalho
ali era acolher e fazê-lo administrar seus pensamentos, levando-o a conviver
bem com sua diferença.
A esquizofrenia é uma doença
grave, mas, assim como diabetes, tem
controle e tratamento. É uma espécie de “curto circuito cerebral” causado por
um descontrole da dopamina, neurotransmissor importante processado pelos
neurônios. A função deste
neurotransmissor é dar relevância aos estímulos do ambiente, por isto,
interfere diretamente nas representações internas que fazemos a respeito das nossas
percepções. Em circunstâncias normais, a dopamina não cria estímulos, ela só
faz mediação no processo de atribuição de relevância. Na esquizofrenia esta
função é aumentada, por isto o paciente vê ou ouve coisas que não existem.
O problema maior deste
transtorno é a compreensão do outro. Estamos ancorados em verdades
compartilhadas, por isto, quando alguém vê algo que não vemos ou ouve coisas
que não ouvimos, tendemos a bani-los de nosso convívio. João se afastava das
pessoas, pois se sentia alheio ao mundo “normal”. Em contrapartida, o mundo
afastava João, porque não compreendia e tinha medo das suas reações. Este ciclo
tornava-se espiral descendente, levando João e sua família para o fundo do
poço.
A ideia do tratamento
multidisciplinar inclui o psiquiatra com os medicamentos, a terapia ocupacional
com a inserção e a psicologia com a escuta e significação. Deste modo, cabe a
nós, psicólogos, fazer com que o portador de esquizofrenia conviva bem com os
seus sintomas. As vozes em sua cabeça não podem mais distraí-los, seus
pensamentos intrusivos não podem mais desconcentrá-los. É preciso propor uma
convivência harmônica entre o esquisito que vive dentro do paciente e a pessoa
que habita o corpo em questão.
O tratamento não é fácil e é
para sempre. O que não podemos é isolar e pressionar o esquizofrênico para que
ele compartilhe da nossa loucura coletiva. Devemos valorizá-lo e compreender o
seu modo de ver o mundo, pois os sintomas são menos graves que os estigmas que
a esquizofrenia carrega. João segue em tratamento. Agora entende que precisa
conviver com seus fantasmas, mas já não dá tanta importância para eles. Montou
um ateliê e vende seus quadros em feiras de artesanato. Assim como Sidney
Sheldon e Agatha Christie, que sofriam do mesmo mal, deu sentido ao seu eu
partido.
*nome fictício.
Por Adriana Santiago
(CRP: 05-20345)
Especialista em Neurociências, Terapia
Cognitivo Comportamental e Psicologia Positiva.
CONSULTÓRIO: Luiz Leopoldo Fernandes
Pinheiro, 551/503. Centro – Niterói.
Tel: 98662-2565 – 3608-2565
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